FILME PELÉ ETERNO

FILME PELÉ ETERNO
A prova definitiva de quem é o melhor jogador de sempre

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Jogo de Botão | Crônica de Renato Maurício Prado sobre Pelé

*Crônica de Renato Maurício Prado ( jornalista e cronista de O GLOBO na época ) 
com o 11 inicial do menino adaptado aos jogadores de hoje.


Distraído, o garoto (de pouco mais de dez anos) até que não estava muito ligado na coisa.
O pai e o avô, entretanto, vibravam com os lances de Pelé:

-- Olha só este gol contra País de Gales!
-- E esta "boca" no Mazurkievickz...
-- Que golaço contra o Benfica! Deus do Céu...

Embalados na magia da telinha, o pai e o avô viajavam no tempo, deliciando-se com a genialidade de Pelé -- destacada porque naquele dia fazia 3 décadas e meia que o maior jogador do mundo encerrara a sua carreira no Santos. Pois foi quando se falou em "maior do mundo" que o miúdo embirrou:

-- Maior do mundo? E o Ronaldinho? E o Cristiano? E o Messi?

O pai e o avô se entreolharam, espantadíssimos.

-- O que é isso, menino? Ficou maluco? Olha só o que o Pelé fazia! Desde quando o Ronaldinho foi tão bom assim? Quando ganhou três Copas? Nem repita tal bobagem! -- replicou o avô, em tom de ralha.

Em sua inocência infantil, o pequeno deu de ombros e, num muxoxo, repetiu, tranquilamente:

- Para mim, Ronaldinho é melhor. E o Cristiano Ronaldo e o Messi também...

A heresia era grave e, embora o pai balançasse a cabeça com ar de "perdoai-o, pois ele não sabe o que diz", o avô resolveu pegar em armas:

-- O Pelé era tão melhor que o Ronaldinho e esses outros aí quanto eu sou melhor que você em futebol de botão. Não jogo há mais de 30 anos mas encaro um desafio e aposto que ganho. Sua geração pode ser craque em vídeogame. Em botão, que é bom, quero ver.

Agora era irreversível. Apesar dos protestos da mãe e da avó, pois o almoço já estava para ser servido, a mesa de botão foi armada às pressas e o garoto tratou de ir arrumando o time vistoso e colorido, enquanto ia escalando a sua "seleção":

-- Casillas, Daniel Alves, Puyol, Thiago Silva e Roberto Carlos; Xavi, Ronaldinho Gaúcho e Iniesta; Cristiano Ronaldo, Neymar e Messi.

Uma equipe capaz de fazer babar qualquer técnico. Insuficiente, porém, para assustar o esquadrão de botões de osso que o avô desencavou do baú de guardados:

-- Gilmar, Djalma Santos, Domingo da Guia, Orlando e Nilton Santos; Gérson e Didi; Garrincha, Pelé, Zico e Rivelino.


Com a arbitragem do pai, começou a peleja e, ganhando o sorteio na moedinha, o garoto partiu para o ataque, e ao mesmo tempo, fazia a locução do jogão:

-- Ronaldinho toca pra Cristiano, que passa de calcanhar pra Xavi, que lança Messi, que dribla 3 e cruza para Iniesta, que de cabeça passa a bola a Neymar, que joga a bola sobre a área...


Atento, na cabeça de área, o botão de Domingos da Guia interceptou a jogada e foi a vez do avô avançar, igualmente, comentando a partida:

-- Tarde de céu azul no Maracanã, o maior e mais lindo do mundo. Cabeça erguida, o "Divino" Domingos estica a Pelé. Lá vai o deus de todos os estádios...


Lá ia, pois a bolinha escapou-lhe e, uma vez mais, coube ao menino a jogada, que só não terminou em gol porque o petardo de Roberto Carlos explodiu no travessão. A coisa começava a ficar preta para o velho. Mais afeito ao novo material, o time do neto ganhava as divididas, passava e chutava com maior precisão e sua vitória parecia questão de tempo. Apavorado, o avô "arrecuou os beque para (no melhor estilo Gentil Cardoso) evitar a catastre".

-- O almoço está na mesa!

O aviso da mãe soou como a salvação para o senhor. Salomonicamente, o pai decidiu:

-- Na primeira bola fora, acaba o jogo.

E o ataque ainda era do pequeno fã de Ronaldinho. E era o próprio quem tinha a pelota dominada:

-- Pra gol! -- sentenciou o neto.

Trêmulo, o avô colocou o seu goleiro bem debaixo dos paus. Veio a bomba e a bola bateu no travessão, repicou no cocuruto da caixa de fósforos chumbada que encarnava Gilmar e rolou para o outro lado do campo, indo parar rente à linha lateral, numa posição meio morta.

-- Não saiu, você ainda tem um ataque -- disse o pai ao avô, enquanto o pequenino urrava contra o azar e queria dar o jogo por encerrado.

-- Não tem jeito. É zero a zero mesmo, vô. Mas o seu Pelé não ganha do meu Ronaldinho, nem do meu Messi, nem do meu CR7 nunquinha, viu?

-- Para o gol.

A decisão do avô surpreendeu o menino. Perto da bolinha, não havia nenhum botão em posição de chute. O mais próximo e mesmo assim enviesado e longe era o botão de osso de número 10.

-- Para o gol. Com o Pelé! -- insistiu o avô.

Displicentemente, o pirralho colocou o seu Casillas na marca do pênalti, fechando o único ângulo possível. O avô calculou a tangência e disparou o Pelé com tudo. Bola de efeito, por cobertura, fundo da rede. Um a zero, fim de jogo.

Enquanto o avô saía a saltar, socando o ar, numa alegria de menino, o pimpolho dirigia-se para a mesa, resmungando como um velho ranzina, quase chorando de raiva. 
O pai? Deu um beijo na mãe e balançou a cabeça, parafraseando, baixinho, o grande cronista Armando Nogueira:

-- Este Pelé, hein? Até em jogo de botão, é indigesto... eh eh eh

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