Introdução: Se hoje em dia, voce perguntar a qualquer jornalista, consagrado ou em início de carreira, o que ele pensa sobre Armando Nogueira, certamente a resposta será uma destas palavras: Gênio, brilhante, espetacular, fantástico, mestre, ou qualquer adjetivo semelhante.
Armando Nogueira estava em uma delas em 19 de novembro de 1969, e foi mais um, entre as mais de 65 mil pessoas presentes no estádio, que viu e testemunhou, ao vivo, a cores e em tempo real, o 1000º gol de Pelé.
Jornalista muito acima da média, era respeitado e admirado por todos os seus colegas de profissão, a quem chamavam de Mestre Armando Nogueira ( Armando e Nélson Rodrigues são considerados pelo jornalismo brasileiro como os "Papas da crônica esportiva", ou se preferirem, os Pelés da crônica esportiva.
Mestre Armando cobriu todas as Olimpíadas desde 1980 e todas as Copas do Mundo entre 1954 e 2010, ano de sua morte. Entre os muitos atributos como jornalista, cronista e redator, foi pioneiro também na televisão, sendo um dos criadores do "Jornal Nacional" da TV GLOBO, até os dias de hoje líder de audiência.
Na minha modesta opinião, quem melhor definiu o que eram as crônicas de Armando Nogueira foi o jornalista Paulo César Vasconcelos: "Armando quando escrevia, vestia as palavras com smoking e traje de gala".
Em 21 de novembro de 1969 na página 21 do Jornal do Brasil, Mestre Armando Nogueira escreveu em "Na Grande Área", sua coluna diária no jornal, esta crônica antológica sobre o gol 1000.
Assim também chegara a pensar o próprio Pelé, antes de ver a bola morrer ( ou nascer ) no fundo da rêde. Tanto que ameaçou refugar, coerente com afirmações anteriores de que se lhe tocasse encerrar o balanço com gol de pênalti, passaria a bola a outro jogador.
E, no entanto, na hora de fazer o gol-símbolo de sua vida, Pelé não poderia merecer do futebol distinção maior: o estádio imenso, o silêncio musical da multidão, a côrte de parceiros e rivais em tôrno dele, imóveis; a bola, proibida de todos, a seus pés – e uma eternidade para chutá-la, pois só aí a lei do futebol oferece o privilégio de estender indefinidamente o jôgo até que se cumpra de todo o ritual do pênalti.
O gol de ação, o gol de movimento – esse, Pelé já fêz 999 vêzes, chutando bolas suadas, bolas sangrentas, bolas mortas, bolas vivas, divididas.
O gol dos deuses, bola no peito, três dribles verticais, um chute mortal – Pelé já fêz tantos.
O gol dos meninos, quantos Pelé já não fêz?, driblando defesas inteiras?
O gol dos espertos? Pelé já fêz: um dia, num córner, enlaçou o braço no braço de um beque e gritou em desespero: “Está me agarrando!” O árbitro marcou pênalti, Pelé chutou e fêz o gol.
O gol dos sonsos, Pelé também já fêz, capengando, de mentira, na meia-lua, e logo surgindo na pequena área, encontro marcado com a bola, antes do córner, antes do jôgo, muito antes de tudo e de todos.
Faltava-lhe, porém, fazer o gol feito, que é o gol da multidão, o gol de todos os testemunhos, o gol que ninguém no estádio, por descuido ou infortúnio, deixasse de ver, florescendo de seus pés, como já disse, tão amados.
Era preciso, sim, o cerimonial de um pênalti para nos compensar de tantos gols bonitos que êle fêz nesse milhar e que nos escaparam na vertigem da ação coletiva.
Abençoado é o pênalti que não castiga, mas gratifica: quando Pelé, no fundo da rêde, beijou mil vezes a bola do seu gol-símbolo, o estádio viveu um instante de libertação – e Pelé, mais um de consagração. Éramos, ali, uma doce multidão de crianças, reencontrando a bola da nossa infância.
Nunca, que eu saiba, a multidão participou tanto de um gol, pesadelo e sonho de Pelé – e de todos nós.
Fiquemos, pois, com a graça de uma noite de reecontro.
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Jornalista muito acima da média, era respeitado e admirado por todos os seus colegas de profissão, a quem chamavam de Mestre Armando Nogueira ( Armando e Nélson Rodrigues são considerados pelo jornalismo brasileiro como os "Papas da crônica esportiva", ou se preferirem, os Pelés da crônica esportiva.
Mestre Armando foi diretor de jornalismo na GLOBO e no Jornal do Brasil, portanto tinha que ser ( e era ) um homem muito bem informado sobre tudo, não apenas sobre futebol.
Portanto se "gol oficial" e "gol não-oficial" existissem e fossem regra geral na época, Mestre Armando Nogueira certamente saberia. E como homem honesto e íntegro que era, contestaria os 1000 gols, e não teria vestido com traje de gala as palavras desta crônica antológica, certo?
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"Um amigo me telefona, cedinho, para insistir na reação do primeiro momento: gostara de ver Pelé fazer o milésimo gol, mas preferia que não fosse de pênalti porque, “de pênalti, não teve muita graça”.Assim também chegara a pensar o próprio Pelé, antes de ver a bola morrer ( ou nascer ) no fundo da rêde. Tanto que ameaçou refugar, coerente com afirmações anteriores de que se lhe tocasse encerrar o balanço com gol de pênalti, passaria a bola a outro jogador.
E, no entanto, na hora de fazer o gol-símbolo de sua vida, Pelé não poderia merecer do futebol distinção maior: o estádio imenso, o silêncio musical da multidão, a côrte de parceiros e rivais em tôrno dele, imóveis; a bola, proibida de todos, a seus pés – e uma eternidade para chutá-la, pois só aí a lei do futebol oferece o privilégio de estender indefinidamente o jôgo até que se cumpra de todo o ritual do pênalti.
O gol de ação, o gol de movimento – esse, Pelé já fêz 999 vêzes, chutando bolas suadas, bolas sangrentas, bolas mortas, bolas vivas, divididas.
O gol dos deuses, bola no peito, três dribles verticais, um chute mortal – Pelé já fêz tantos.
O gol dos meninos, quantos Pelé já não fêz?, driblando defesas inteiras?
O gol dos espertos? Pelé já fêz: um dia, num córner, enlaçou o braço no braço de um beque e gritou em desespero: “Está me agarrando!” O árbitro marcou pênalti, Pelé chutou e fêz o gol.
O gol dos sonsos, Pelé também já fêz, capengando, de mentira, na meia-lua, e logo surgindo na pequena área, encontro marcado com a bola, antes do córner, antes do jôgo, muito antes de tudo e de todos.
Faltava-lhe, porém, fazer o gol feito, que é o gol da multidão, o gol de todos os testemunhos, o gol que ninguém no estádio, por descuido ou infortúnio, deixasse de ver, florescendo de seus pés, como já disse, tão amados.
Era preciso, sim, o cerimonial de um pênalti para nos compensar de tantos gols bonitos que êle fêz nesse milhar e que nos escaparam na vertigem da ação coletiva.
Abençoado é o pênalti que não castiga, mas gratifica: quando Pelé, no fundo da rêde, beijou mil vezes a bola do seu gol-símbolo, o estádio viveu um instante de libertação – e Pelé, mais um de consagração. Éramos, ali, uma doce multidão de crianças, reencontrando a bola da nossa infância.
Nunca, que eu saiba, a multidão participou tanto de um gol, pesadelo e sonho de Pelé – e de todos nós.
Fiquemos, pois, com a graça de uma noite de reecontro.
Que dêle seja a bola que renasceu com êle, no instante de um gol-sacramentado."
LINK JORNAL DO BRASIL, 21/11/1969, página 21👉 AQUI
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