Carlos Drummond de Andrade escreveu no Jornal do Brasil em 28 de novembro de 1969,
um texto de título Pelé 1.000 (referência ao gol de número 1.000 do Rei) .
Bola do milésimo gol de Pelé |
PELÉ: 1000
O difícil, o extraordinário, não é fazer mil gols, como Pelé.
É fazer um gol como Pelé. Aquele gol que gostaríamos tanto de fazer,
que nos sentimos maduros para fazer, mas que, diabolicamente,
não se deixa fazer. O gol.
Que adianta escrever mil livros, como simples resultado de
aplicação mecânica, mãos batendo máquina de manhã à noite,
traseiro posto na almofada, palavras dóceis e resignadas ao uso
incolor? O livro único, este não há condições, regras, receitas,
códigos, cólicas que o façam existir, e só ele conta – negativamente –
em nossa bibliografia.
Romancistas que não capturam o romance,
poetas de que o poema está-se rindo a distância, pensadores que
palmilham o batido pensamento alheio, em vão circulamos na pista
durante 50 anos. O muito papel que sujamos continua alvo, alheio
às letras que nele se imprimem, pois aquela não era a combinação
de letras que ele exigia de nós. E quantos metros cúbicos de suor,
para chegar a esse não-resultado!
Então o gol independe de nossa vontade, formação e mestria?
Receio que sim. Produto divino, talvez? Mas, se não valem
exortações, apelos cabalísticos, bossas mágicas para que ele se
manifeste... Se é de Deus, Deus se diverte negando-o aos que o
imploram, e, distribuindo-o a seu capricho, Deus sabe a quem,
às vezes um mau elemento.
A obra de arte, em forma de gol ou
de texto, casa, pintura, som, dança e outras mais, parece antes
coisa-em-ser da natureza, revelada arbitrariamente, quase que
à revelia do instrumento humano usado para a revelação. Se a
obrigação é aprender, por que todos que aprendem não a realizam?
Por que só este ou aquele chega a realizá-la? Por que não há 11 Pelés
em cada time? Ou 10, para dar uma chance ao time adversário?
O Rei chega ao milésimo gol (sem pressa, até se permitindo o
charme de retificar para menos a contagem) por uma fatalidade à
margem do seu saber técnico e artístico.
Na realidade, está lavrando
sempre o mesmo tento perfeito, pois outros tentos menos apurados
não são de sua competência. Sabe apenas fazer o máximo, e quando
deixa de destacar-se no campo é porque até ele tem instantes de
não-Pelé, como os não-Pelés que somos todos.
2 comentários:
Este blog está um espetáculo. Vou vir aqui logo que possa para ler e deliciar-me, com tempo que baste.
Não sei se já reparou, passei a ser seguidor e coloquei o link na barra de blogues que sigo no meu
http://memoriaporto.blogspot.pt/
Armando Pinto
Obrigado pela visita, volte sempre:-)
Abraço caro Armando Pinto.
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