Retirado de Almanaque do Esporte
A GUERRA QUE PAROU PARA VER PELÉ JOGAR
Era uma vez, um jovem rapaz negro, que sozinho parou uma guerra. Em um continente onde seus antepassados não conheciam o significado da palavra paz, ele chegou, e com a ponta de sua chuteira, mandou a guerra embora. Parece mentira, não é? Pois isso realmente aconteceu. Conheça agora essa fantástica história.
Era o ano de 1969, e o Santos realizaria uma excursão pela África com a intenção de promover o fantástico time que possuía. Em todos os cantos do mundo, numa época que ainda não existia a globalização, o nome de Pelé já era conhecido, e todos queriam conhecer o rei do futebol.
Pelé
A delegação do time do Santos saiu do Brasil ruma à antiga nação do Congo Belga, hoje conhecida por República Democrática do Congo, com o pensamento de divulgar a marca Santos e com a certeza de que mais uma vez Pelé encantaria o mundo com gols e jogadas espetaculares. Porém, não esperavam que chegando lá encontrariam uma cidade tomada por tanques e rebeldes. A nação estava imersa numa guerra civil.
Mapa da região que estava em conflito. Em destaque, as capitais e palco dos jogos: Kinshasa e Brazzaville.
Em 1969 a nação que hoje se chama República Democrática do Congo era conhecida apenas por Congo, ou Congo Belga e estava sofrendo com uma guerra civil onde os militares, comandados pelo major Marien Ngouabi, tentavam se manter no poder após um golpe de Estado ocorrido em 1968.
Marien Ngouabi
Os rebeldes tentavam depor Marien com outro golpe de Estado. E Marien respondia violentamente, executando todos aqueles que eram contra seu regime. Claramente, o país estava mergulhado numa guerra civil sem fim.
Diante desse clima hostil e violento, a delegação do Santos desembarcou no país africano. Porém, para chegar até o local do jogo, precisaria atravessar as ruas de Kinshasa, que mais se parecia com uma campo de guerra.
Exército atravessando as ruas de Kinshasa
O time do Santos, que na época era considerado o melhor time do mundo, e tinha o melhor jogador do planeta (assim como o Barcelona hoje), estava em Kinshasa, e teria que atravessar o Rio do Congo para poder jogar em Brazzaville, palco do jogo amigável. Todos naquele país, ao ouvirem essa notícia, não perderiam por nada aquele jogo. Mas seria impossível existir jogo naquelas condições. Foi quando uma grande comoção popular para que a guerra civil parasse, e para que Pelé entrasse em campo, chegou aos ouvidos de toda a nação.
Os rebeldes declararam que cessariam fogo por alguns dias, com uma condição: de que, ao invés de uma única partida entre a equipe de Pelé e a seleção local, em Brazaville, fossem realizadas mais duas partidas adicionais em Kinshasa. A princípio os jogadores santistas não concordaram devido à agenda lotada de compromissos e viagens; mas não tiveram escolha e aceitaram realizar as três partidas. Nesse momento, na região de fronteira entre Brazzaville e Kinshasa, os exércitos das duas partes envolvidas na guerra escoltaram a delegação santista até o hotel e depois, até o estádio onde seria feito o jogo, demonstrando o clima de paz que agora cercava aquele país.
Time do Santos que enfrentou a Seleção do Congo naquele que seria um dos maiores desafios de suas vidas
A partir daquele momento, não se ouvia mais tiros, nem explosões de bombas. Só se ouvia os gritos e o ensurdecedor barulho da fanática torcida africana, que, enlouquecida pelos dribles de Pelé e companhia, cantavam e dançavam sem parar.
O resumo dos jogos foi o seguinte: em Brazzaville, contra a seleção do Congo no dia 19 de janeiro de 1969, o Santos venceu por 3 a 2. Diz a lenda, que nesse jogo, os jogadores da seleção do Congo abusaram da violência contra os santistas, e o árbitro da partida fingia que nada acontecia. Pelé, cansado dos pontapés, sentou em campo, sendo imediatamente imitado pelos seus companheiros. Sem saber o que fazer, o árbitro parou o jogo. E logo foi surpreendido com um bilhete trazido da arquibancada que dizia: “O Santos de Pelé está aqui para dar um espetáculo. Eu estou aqui para assistir o espetáculo. Se você não aplicar as regras do jogo, vai sair preso do estádio”. Quem escreveu e enviou o bilhete ao árbitro foi ninguém menos que Marien Ngouabi, o presidente do Congo.
As duas esquadras, Santos e Seleção do Congo. O estádio lotado ao fundo demonstrou o clima de paz que reinava na região. Os jogadores abraçados simbolizando a paz entre os homens.
Dois dias depois, em Kinshasa, contra a seleção “B” do Congo, no dia 21 de janeiro de 1969, venceu novamente, por 2 a 0. E finalmente, ainda em Kinshasa, no dia 23 de janeiro de 1969 encerraria sua excursão dessa vez com uma derrota por 3 a 2 para uma equipe local, que se chamava Leopards. Exaustos pelo calor e sufocados pelo porte físico dos africanos, o último jogo encerrou a festa com uma vitória dos africanos, mas acima de tudo, com uma vitória da PAZ. Foi uma semana de paz, em um lugar onde muitos não sabiam o significado dessa palavra. Infelizmente, após a partida da delegação santista de volta pra casa, a guerra recomeçou.
Era o momento de selar a paz: Pelé e autoridades do Congo
E demonstrou que o esporte é humanidade. Que o esporte ultrapassa fronteiras. Que o esporte, representado pelo Rei do futebol, é acima de tudo paz, e não violência. Como Pelé mesmo disse, foi um dos seus maiores gols de placa.
Segue agora um vídeo com depoimentos de quem estava lá: Lima, Edu, Manoel Maria e Abel. Os verdadeiros heróis daquela partida. Vale a pena assistir(quem não entender a língua portuguesa, acione as legendas no vídeo):
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