FILME PELÉ ETERNO

FILME PELÉ ETERNO
A prova definitiva de quem é o melhor jogador de sempre

terça-feira, 12 de abril de 2016

Quando o menino se transformou em Rei


Quando o menino se transformou em Rei
Por João Máximo

O adolescente Pelé em 1957
Sábado, 24 de maio de 1958. 
A bordo do avião DC-7C da Panair que leva a seleção brasileira para uma escala em Roma, Pelé não tem motivos para acreditar num êxito pessoal na Copa do Mundo que se aproxima. Contra isso há a dor que sente no joelho direito, os 17 anos de idade (sete menos que Dida) e o fato de o mesmo Dida ser aquele que o treinador Vicente Feola e a maioria da comissão técnica consideram o titular da posição

Como costuma acontecer, importantes capítulos da história do futebol brasileiro são reescritos em função dos resultados que a seleção colhe numa Copa do Mundo. Na Copa do Mundo de 1958 não será diferente. Se o Brasil for campeão, já não se dirá que Feola não gosta de Garrincha, nem que Nílton Santos deve dar o lugar para Oreco, nem que Pelé é mesmo o reserva de Dida. Pelo contrário, sobre este último caso, do roupeiro Francisco de Assis ao comandante Paulo Machado de Carvalho, todos dirão que sempre souberam que "Pelé já era Pelé". E que ele só não começará a Copa como titular por causa da maldita dor no joelho direito.

Pelé é o mais moço dos 34 membros da delegação que viaja para Roma. Seu futebol, por enquanto, é uma promessa, mas promessa tão convincente que bastaram dois jogos pela seleção brasileira no ano passado (derrota e vitória sobre a Argentina pela Copa Rocca) para que o convocassem para a Copa do Mundo que se realizará mês que vem na Suécia. Credenciaram-no não só os dois jogos (fez um gol no primeiro), mas também o ótimo Campeonato Paulista do ano passado, do qual foi artilheiro com 17 gols e vice-campeão um ponto atrás do São Paulo de seu ídolo Zizinho.

Promessa até como goleiro


Aos 16 anos de idade, Pelé jogou pela Seleção Brasileira
pela primeira vez.
A convocação, no último 31 de março, o surpreendeu. A ele e ao pai Dondinho que, ouvindo pelo rádio a notícia de que o filho (Dico, para a família) estava entre os 33 selecionados pela comissão técnica, quase não acreditou. Afinal, Feola era e seria sempre um treinador indeciso. Reconhecido como "homem de diálogo", mas na verdade treinador com poucas convicções sobre quem convocar ou escalar. Chamou três jogadores por posição. Isso, a menos de três meses da estreia do Brasil, simplesmente por não ter um time na cabeça (daqui a oito anos, Feola quebrará seu próprio recorde de indecisão convocado 45 jogadores para a Copa do Mundo na Inglaterra). Por enquanto, o que importa é que, entre aqueles 33, havia cinco com mais idade, experiência e nome para disputar com o garoto do Santos um lugar no ataque: Mazzola, Dida, Vavá, Gino e Almir, o Pernambuquinho.

Mesmo depois dos primeiros cortes, em 6 de maio ( Almir, Pampolini, Cacá, Formiga e Carlos Alberto Cavalheiro, goleiro do Vasco), Pelé teria que esperar um pouco até saber o que Feola pensava dele:
- Ótimo atacante. E até mesmo uma boa opção para o gol - disse Feola numa entrevistas em que discordava do supervisor Carlos Nascimento, defensor de levarem três goleiros para a Suécia.

Com 17 anos de idade, Pelé já era
titular indiscutível do Santos FC
Nos treinos e nos quatro jogos internacionais da seleção antes do embarque, as coisas foram tomando forma. Não só quanto aos 22 a serem inscritos. Em 19 de maio, deu-se a dispensa de Ernani, Jadir, Roberto Belangero, Altair e Canhoteiro, este uma sensação em São Paulo, tido por muitos como o titular absoluto da ponta-esquerda (era, na verdade, uma espécie de Garrincha do lado oposto, um virtuoso cujo futebol Feola conhecia bem, mas não conseguia entender). E tomava forma, também, o time-base.

Quanto a Pelé, na maioria dos treinos andou atuando entre os reservas, enquanto Mazzola e Dida formaram a dupla de frente mais constante entre os titulares, com Vavá entrando ocasionalmente. Nos dois jogos com o Paraguai, Vavá e Dida foram os atacantes. No primeiro amistoso com a Bulgária, jogaram Mazzola e Dida. No segundo, tendo Dida se queixado de dores musculares, Pelé teve sua única chance, agora ao lado de Mazzola. Marcou dois dos três gols brasileiros, ganhou tapinha nas costas e voltou para o banco.

O tal joelho dolorido é consequência do jogo-treino com o Corinthians, há três dias, quando Ari Clemente entrou forte no garoto que lhe cabia marcar, justamente porque Dida continuava entregue aos cuidados de Hílton Gosling, médico que garantiu à Comissão Técnica que todos, inclusive Dida e Pelé, estarão 100% em 8 de junho, dia da estreia contra a Áustria.

Nos amistosos com a Fiorentina e o Inter de Milão, duas vitórias por 4 a 0, lá estarão Mazzola e Dida novamente, substituídos por Moacir e Vavá nos segundos tempos. Com Didi de volta, a seleção de Feola está praticamente pronta para a estreia. Naturalmente, com Joel no lugar que deveria ser de Garrincha, já que o gol marcado por este contra a Fiorentina, driblando e redriblando desesperados beques italianos, convenceu o treinador de que este ponta- direita de pernas tortas é irresponsável demais para disputar uma Copa do Mundo.

Quinta-feira, 12 de junho de 1958. 

Pelé já era capa de revistas esportivas
Pelé acaba de saber que vai jogar contra a União Soviética. Ele e Garrincha serão lançados na fogueira de uma decisão contra aquela que os comentaristas europeus apontam como favorita ao título. Garrincha e Pelé como titulares? O que terá acontecido para tal mudança em hora tão crítica?

Se há um momento em que a estrela do gênio começa a brilhar em termos de seleção brasileira, o momento há de ser este, em que um garoto de 17 anos se enche de orgulho - e mais ainda de coragem - ao saber que vai jogar. Para entender o que se chama de coragem, é necessário voltar.

Há dez dias, os brasileiros chegaram à Suécia já escalados para a estreia. O ataque, com Joel, Mazzola, Dida e Zagallo, confirmava o que já se antecipara nos treinos e jogos preparatórios. Pelé, já recuperado do joelho, continuava de fora. Assim, o problema da seleção passou a ser Dida, que insistia em dizer-se "sem condições", ao passo que Gosling não via nada que o impedisse de jogar. Dida se queixando, Gosling não sabendo porquê, Feola ficou com o médico e escalou o atacante do Flamengo. O Brasil venceu a Áustria, sem dificuldade, por 3 a 0, mas a atuação de Dida não poderia ter sido pior.

Resultado: Feola substituiu-o por Vavá no segundo jogo, com a Inglaterra. Neste, um sofrido 0 a 0, quem esteve mal foi Mazzola. Teve um ataque de nervos em campo e foi chamado às falas pelos safanões do capitão Bellini (ainda se dirá que, já apalavrado com o Milan italiano, Mazzola, autor de dois gols na estréia, transformara-se em outro jogador diante da fechada e vigorosa defesa inglesa).


Pelé estreiou em Copas do Mundo com apenas 17 anos de idade no jogo contra a Rússia (URSS)
Resta o garoto do Santos, com mais futebol que os outros dois (o que ainda não se sabia) e muito mais coragem (o que só então se soube). Duas outras alterações ocorrem no time para a decisão do grupo. Uma, Zito no lugar de Dino Sani, por contusão deste. Outra, Garrincha no de Joel, porque o "homem de diálogo" Feola desistiu de ser, em toda a Comissão Técnica, o único a não confiar em Garrincha. A essa altura, até o psicólogo João Carvalhaes voltou atrás: arquivou seus argumentos científicos para reconhecer que um drible de Garrincha basta para desmoralizar qualquer psicoteste.

Seis gols espetaculares

O Brasil está a quatro jogos do seu primeiro e tão sonhado título mundial. Castigados por fracassos anteriores, nem todos creem ser possível sair daqui com a taça de ouro que lhes escapou nas duas Copas anteriores. Pelé e Garrincha, pelo menos, acreditam. E já depois da vitória de 2 a 0 sobre a União Soviética, todo o Brasil passa a acreditar, especialmente por causa de Garrincha: em dois minutos de jogo, ele faz o que sabe, desmorona o setor defensivo adversário e abre caminho para que, pouco depois, Vavá marque o primeiro de seus dois gols.

E Pelé? Sua atuação é apenas regular, correta, sem o brilho da de Garrincha, mas em nenhum momento é dominado pelas hesitações de Dida ou pelos receios de Mazzola. Com ele e Vavá, jamais faltará bravura ao ataque da seleção brasileira.





Pelé vai considerar o gol marcado contra o País de Gales, o único da partida das quartas de final, o mais importante de sua vida (foto acima). Naturalmente, ainda terá mais de mil motivos para mudar de opinião. Contudo, e por muito tempo, este gol, pondo fim a outro sofrido 0 a 0 diante de uma equipe sempre jogando para defender, será para ele o gol da afirmação. Difícil, bola meio prensada, chute algo sem jeito, mas o que leva o Brasil à semifinal com a França. 

Pelé fez hat-trick contra a França no jogo das semi-finais onde o Brasil venceu por 5 x 2

É quando, na estrela do gênio, o talento se soma à coragem e Pelé marca três gols no segundo tempo contra a seleção de Roger Piantoni, Raymond Kopa e Just Fontaine, transformando uma partida difícil em goleada: 5 a 2. Ainda com 17 anos, ainda imaturo, ainda desconhecido e ainda incrédulo por jogar ao lado de gente grande, o ex-reserva de Dida se consagra.


O adolescente Pelé desabafa e chora amparado por Garrincha após marcar contra a Suécia na final
Pelé não terá atuações espetaculares nesta Copa, mas fará gols espetaculares, o que é quase a mesma coisa. Na grande final em Estocolmo, diante dos anfitriões, ao talento e à coragem junta-se a ousadia, como atesta o quarto gol brasileiro. Ao receber um passe na marca do pênalti, Pelé se sente no direito de não ouvir os gritos de Didi que, desmarcado, lhe pede a bola (logo Didi, que será eleito o melhor jogador da Copa), para livrar-se de um zagueiro, aplicar preciso lençol em outro e chutar de esquerda para as redes.




O futuro Rei cumprimenta o Rei da Suécia,
observado por Djalma Santos.
O placar final, outro 5 a 2, se dá ao Brasil seu primeiro título mundial, para Pelé é o começo de uma carreira de vitórias pessoais com a qual não sonhava a bordo daquele DC-7C. 

A partir deste dia, já não será possível ver nele apenas uma promessa. É jogador pronto, um craque, o mais jovem campeão mundial da História. 

Já há quem o chame de rei, embora a distância que separa a promessa aqui cumprida da perfeição que lhe está destinada, esta só será vencida nos anos que irão daqui até a próxima Copa do Mundo, em 1962, no Chile.

E o Rei Gustav da Suécia ( à direita ), que desceu ao gramado para cumprimentar os jogadores do Brasil e da Suécia após o jogo final da Copa do Mundo, não sabia que estava apertando as mãos de um Rei:-)

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