O estopim foi a fase de oitavas de final da Liga dos Campeões de 2019, quando Cristiano passou por cima do Atlético de Madri e fez os três gols que classificaram sua Juventus aos quartos da competição. Um luxo. A resposta de Messi foi uma atuação de gala (mais uma) no passeio sobre o Lyon, completada na soberba partida feita na goleada sobre o Bétis, pelo Campeonato Espanhol.
Nada de novo, portanto, do que ambos já vêm fazendo há pelo menos 12 anos.
O duelo entre eles é o que há de mais bonito no futebol mundial e ninguém, atualmente, sequer está próximo dos dois. O português é o maior artilheiro da Liga das Campeões, torneio que conquistou em cinco oportunidades, o mesmo número de Bolas de Ouro que possui. Seis tem o argentino, que venceu a maior competição de clubes do mundo quatro vezes. Isso fora o que fazem no dia a dia, o que não é pouco, ainda mais se considerarmos os feitos dos jogadores, com marcas atrás de marcas, hat-tricks aos montes e atuações monumentais nos principais palcos do mundo.
Aí vem a questão: eles já superaram o Rei? Bom, vamos a alguns fatos: Pelé, na maior competição do futebol, a Copa do Mundo, tem três títulos nas quatro Copas que jogou, o mesmo número de Copas que tiveram Messi e Cristiano em campo. Messi, finalista em 2014, tem seis gols em Copas, todos na primeira fase; Cristiano, semifinalista em 2006, quando foi um jovem coadjuvante do time que tinha Figo como principal expoente, tem um a mais, e nenhum a partir das oitavas. Pelé, que marcou 12 gols, só na Copa de 58 fez seis, três deles na semifinal com a França e dois na final, sobre a Suécia, sede daquela edição. Pelé, então coroado Rei, tinha 17 anos.
Há quem diga que Pelé enfrentou jogadores menos capazes do que a dupla de antagonistas do Século XXI, que “o Campeonato Paulista nem se compara com com La Liga ou com a Champions”. Ora, entre os anos 1950 e 1960 — que concentram as três primeiras conquistas mundiais pela Seleção, fora os títulos mundiais do Santos FC, em 62–63 — os melhores jogadores estavam no Brasil. Todos os campeões das Copas de 1958 e 1962 disputavam o Rio-S.Paulo, torneio em que Pelé deitava e rolava, como fazia em todos. Nem na Copa do Mundo de 1970 havia um forasteiro sequer. Eis as listas:
1958:
Goleiros: Castilho (Fluminense) e Gylmar (Corinthians);
Laterais: De Sordi (São Paulo), Djalma Santos (Portuguesa), Nilton Santos (Botafogo) e Oreco (Corinthians);
Zagueiros: Bellini (Vasco), Mauro (São Paulo), Orlando (Vasco) e Zózimo (Bangu);
Meio-campo: Dida (Flamengo), Didi (Botafogo), Dino Sani (São Paulo), Moacir (Flamengo) e Zito (Santos);
Atacantes: Garrincha (Botafogo), Joel (Flamengo), Mazzola (Palmeiras), Pelé (Santos), Pepe (Santos), Vavá (Vasco) e Zagallo (Botafogo).
1962:
Goleiros: Castilho (Fluminense) e Gylmar (Santos);
Laterais: Altair (Fluminense), Djalma Santos (Palmeiras), Jair Marinho (Fluminense) e Nilton Santos (Botafogo);
Zagueiros: Bellini (São Paulo), Jurandir (São Paulo), Mauro (Santos) e Zózimo (Bangu);
Meio-campo: Didi (Botafogo), Mengálvio (Santos), Zequinha (Palmeiras) e Zito (Santos);
Atacantes: Amarildo (Botafogo), Coutinho (Santos), Jair da Costa (Portuguesa), Garrincha (Botafogo), Pelé (Santos), Pepe (Santos), Vavá (Palmeiras) e Zagallo (Botafogo).
1970:
Goleiros: Ado (Corinthians), Felix (Fluminense) e Leão (Palmeiras);
Laterais: Carlos Alberto (Santos), Everaldo (Grêmio), Marco Antonio (Fluminense) e Zé Maria (Portuguesa);
Zagueiros: Baldocchi (Palmeiras), Brito (Flamengo), Fontana (Cruzeiro) e Joel Camargo (Santos);
Meio-campo: Clodoaldo (Santos), Gerson (São Paulo), Rivelino (Corinthians) e Piazza (Cruzeiro);
Atacantes: Edu (Santos), Dario (Atlético Mineiro), Jairzinho (Botafogo), Paulo Cesar Caju (Botafogo), Pelé (Santos), Roberto Miranda (Botafogo) e Tostão (Cruzeiro).
Ou seja, este argumento, que tenta colar que os campeonatos europeus eram mais fortes que o Campeonato Paulista ou o Carioca, não se sustenta.
Há os que dizem que o futebol era muito mais fácil, que os sistemas táticos não eram tão fechados e que o futebol não era tão físico e veloz como é hoje. Não deixa de ser verdade, mas a tal facilidade é discutível: o esporte, como tudo no mundo, evoluiu. Se há menos espaços, e não há folga mesmo, as condições são bem melhores. Pelé pegou gramados ruins, equipamentos rústicos, bola pesada e uma época em que a medicina esportiva era incipiente, além do fato de o jogo ser mais violento, sem tantas câmeras pegando as pancadas que os jogadores levavam.
Messi e Cristiano, por sua vez, têm à disposição uma equipe de profissionais, tratamentos que atenuam o desgaste físico das partidas, programas de computador que ajudam a analisar o desempenho, bolas que começam e terminam o jogo com o mesmo peso, gramados em perfeitas condições, uniformes que não retêm suor, não terminam o jogo empapados ou, como a pelota, com uma parcela da chuva que eventualmente tenha caído.
Alguns fatores favoreceram o Rei, é bom destacar, como ter companheiros de seleção melhores, mas não serve como desculpa, principalmente para Messi, porque Maradona com piores companheiros de seleção do que Messi, levou a Argentina a duas finais de Copa do Mundo, em 1986 e 1990, e foi campeão do mundo 1986.
O principal deles é que ele, assim como Messi, vestiu a mesma camisa durante toda a carreira (a passagem pelo Cosmos aconteceu após a despedida oficial pelo Santos), não precisando se adaptar a novas formas de jogo e à vida em outros sítios. Nos dias de hoje, e isso é um ponto a favor do argentino, é praticamente inimaginável que Pelé permanecesse no Santos FC nos dias de hoje.
Da mesma forma, não resta dúvida de que o Rei seria um jogador ainda mais completo, uma vez que nasceu com todo aquele enorme talento. Pelé, que media 1,73m (achou que fosse mais alto, né?), provavelmente, seria mais alto e mais forte, considerando o resultado da sua aplicação, combinada com a evolução humana e os avanços em todas as áreas, incluindo a esportiva.
Temporada após temporada, Messi e Cristiano se reinventam, tornam-se melhores porque Messi é e Cristiano faz de tudo para ser, e consegue. Um é arte pura. O outro, obstinação. E a pergunta inevitável é a seguinte: como seria um jogador com o talento de Messi e a determinação de Cristiano?
A resposta é simples: este é Pelé.