Em 19 de novembro de 1969, pela segunda vez em quatro meses, o homem, através dos americanos, pôs os pés na lua. E nesse mesmo dia, pela primeira vez na história do futebol, um jogador, por meio de um negro brasileiro, atingiu a marca de 1000 gols. Uma conquista fantástica!
No Brasil naquele dia, por uma hora e meia, horário de jogo, o jogador de futebol eclipsou o astronauta.
Saber se Pelé faria o milésimo gol dele era o que importava para os brasileiros. Em primeiro lugar.
"Heresia, marca de incultura, consequência do analfabetismo, etc!"
Podemos adivinhar as reações que essa prioridade "escandalosa" pode ter despertado em certos círculos intelectuais onde "jogar a bola" é infantilidade, se não infantilismo.
E ainda! A menos que você condene um povo inteiro, senão um continente inteiro, porque foi toda a América do Sul que se sentiu diretamente preocupada com o feito, uma convicção que equivaleria a um verdadeiro suicídio intelectual (na verdade, qual pode ser o papel do intelectual se não para trazer à luz, em plena luz do dia, o significado oculto das atividades que atraem irresistivelmente uma grande corrente de seres humanos), devemos tentar compreender.
O que está por trás do milésimo gol de Pelé? Para brasileiros, sul-americanos, terceiro mundo e todo o mundo?
NÃO É POR ACASO
Gigante da América do Sul, o Brasil carrega em si as feridas mais insuportáveis da América Latina: a riqueza de um punhado de privilegiados, a miséria das massas. A essa injustiça social, o Brasil traz, além de suas dimensões, uma originalidade: neste país existe a mais forte maioria de negros originários da África.
Agora, Pelé é negro. Nome verdadeiro Edson Arantes do Nascimento. Nasceu em 21 de outubro de 1940 em Três Corações (MG). Cujo pai conhecia as dores da miséria.
Qual o valor do futebol nessas condições?
O mérito essencial do futebol é ser, pela sua origem e pelas suas leis, à medida do homem, do mais humilde dos homens. Na prática, o homem pode, portanto, florescer, se afirmar. É por isso que todas as pessoas afetadas pela injustiça social encontram alegria e refúgio num campo onde a dignidade lhes é devolvida.
É por isso que tantas vezes a atrofia social leva ao desenvolvimento esportivo. É também por isso que, uma vez que têm oportunidade, as vítimas da discriminação, não só social mas racial, querem tornar-se e tornar-se as melhores.
Além disso, não é por acaso que o melhor jogador de futebol do mundo nasceu no Brasil, uma verdadeira terra do futebol! E não é por acaso que o esporte do homem, o futebol, optou por encarnar um homem de origens modestas e um homem de cor.
Aos brancos, os americanos retribuirão a honra de terem cruzado os limites da Terra.
O negro brasileiro voltará a ser considerado o melhor jogador de futebol da atualidade e terá atingido a marca de 1000 gols.
Nesse ínterim, não podemos esquecer, o Brasil da revolta lançou um desafio à América da opressão sequestrando seu embaixador!
É por isso que, de um certo ponto de vista, se pode e deve escrever: A humanidade teve duas capitais desde 19 de novembro de 1969. A América, de onde mediu suas imensas possibilidades técnicas ... e o abismo que separa essas possibilidades das humanas realidades. E o Brasil, de onde teve a força de uma paixão mesclando na mesma comunhão milhões de homens com dignidade reconquistada ... e além do mais tão privados de vantagens materiais!
Em nossa opinião, é isso que está por trás do tão esperado milésimo gol de Pelé. Mas se os brasileiros primeiro, a América do Sul e todo o terceiro mundo depois devem sentir um orgulho incomparável de ver um deles, um homem de cor, sendo o melhor na primeira paixão esportiva do homem, o europeu também captura a grandeza deste evento inédito .
O CONTRAPESO
Mas não é impossível que um toque de amargura se junte a ele. Na verdade, o futebol ainda nasceu na Inglaterra e a Europa tinha assumido uma boa liderança. No entanto, a Europa foi alcançada e depois aprovada. E esse recorde que atinge centenas de milhões de homens - que rentabilidade publicitária, porém - não é dele!
Exatamente! Que lembrança inestimável e oportuna do movimento da vida do futebol nos traz de volta lá! O berço deste jogo é certamente inglês, mas sua melhor amostra é hoje americana e branca, mas temos o direito de esquecer que a civilização terrestre nasceu na África, às margens do Nilo?
Se o futebol está agora no caminho oposto ao das ciências espaciais, se se revela como seu contrapeso, é sem dúvida para lembrar à humanidade esta verdade: atrás da mais fenomenal das façanhas o homem se esconde através da sua história, e não um ser superior, nação ou corrida.
Os pretos são as raízes da nossa civilização. O branco é hoje seu botão mais bonito (em inteligência racional).
Os brancos são as raízes do nosso futebol. O preto (brasileiro) é hoje seu melhor espécime.
Aqui está a grande lição deste 19 de novembro de 1969: na época em que grande poderia ter sido a inveja dos Brancos (África do Sul, que existe) em acreditar na demonstração de sua supremacia, que um Negro faz ao mesmo tempo a prova de sua superioridade atual e indiscutível em um campo que também fascina o mundo, nada é mais saudável.
Em ambos os casos, o mesmo homem venceu. Mas é um sinal dos tempos que o preto lembra os brancos.
P. Lameignere.
E por fim, a tradução da página 44, do "GOL do Século".